O HORÓSCOPO

Com o ano a caminhar rapidamente para o seu termo já nos dispomos «mais para lá do que para cá», ou seja, mais que o balanço de ganhos e perdas do exercício à beira de desfecho (estamos todos fartos deste 2004!) estamos sobretudo curiosos do que nos reserva 2005.
Em tempo de planear a vida pessoal e profissional nada melhor, como magna referência, do que o orçamento dos orçamentos, o Orçamento de Estado (o qual dizem, mas amiúde não acreditamos, somos, afinal, todos nós) para o próximo ano.
Traz-nos boas perspectivas? A economia vai finalmente arribar e atender aos outros factos da vida para além do défice das contas públicas? Os mercados vão recobrar o alento e vão mexer com a recuperação da procura? Mais clientes e com a carteira mais recheada? O investimento a sair do marasmo dos últimos anos?
A acreditarmos na Proposta de Lei orçamental apresentada pelo Governo a resposta a estas perguntas é espantosamente afirmativa. A acreditar…é claro.
À partida emerge um motivo de optimismo para fazer alguma fé nesta proposta orçamental Orçamento de Estado: era quase impossível fazer melhor que o Eng. Guterres (a gastar de mais) que a Dra ferreira Leite (a lançar aa economia em recessão em nome da abstracção do défice).
No consulado do Eng Guterres, com excepção da passagem do Dr Pina Moura pelo Ministério das Finanças, geriu-se em contra-ciclo. Em vez de aproveitar o período de vacas gordas para disciplinar as contas públicas esbanjou recursos e protelou reformas inadiáveis. No do Dr Barroso, com a Dra Ferreira Leite timorata e austeramente ao leme, subordinou-se toda a política económica à fixação do cumprimento de um critério de convergência formal que, estando a ser pulverizado por parceiros comunitários mais poderosos, estava condenado à revisão. Ainda por cima, houve que recorrer a receitas extraordinárias para evitar uma catástrofe ainda maior que a legada dos antecessores.
A proposta orçamental para o ano que aí vem poderia ser ilustrada com «smileys», aqueles bonequinhos engraçados e simpáticos que pululam na net.
Ora vejamos: estima-se que a economia no seu conjunto vai crescer mais (2,4%) que as suas parceiras da Zona Euro, mas, mesmo assim, menos que a espanhola (3%, de acordo com a estimativa orçamental do respectivo governo).
Caberá à procura interna sustentar este crescimento, sobretudo o consumo privado (2,4%), que teoricamente contaria, para ajudar, com menos concorrência da poupança, já que a proposta orçamental extermina os benefícios fiscais de instrumentos típicos da classe média como os Planos Poupança Reforma/Educação (PPR/E), os Planos Poupança Acções (PPA) e Contas Poupança Habitação (CPH). Em compensação, reduzem-se as taxas de alguns escalões do IRS. Só que, na realidade, em sede de IRS faz-se uma mera redistribuição, pois tira-se dá-se uma mão o que se retira com a outra. O leitor não presuma, entusiasmado pelo marketing governamental, que vai pagar menos, pois poderá estar entre os «sacrificados» que vão ver agravada a sua factura fiscal.
A inflação média estimada para o final do ano é de 2%. Nada mau. Os custos salariais ainda não serão pressionados por uma redução drástica do desemprego em que ninguém acredita (com excepção do Governo) e o efeito conjugado da inflação e da descida do IRS nos escalões mais baixos poderão dar um contributo positivo. Significa, no fundo, que as actualizações de preços não serão pesadas, poupando assim muitos riscos no relacionamento com clientes e fornecedores.
Entregaremos aos cofres do Estado menos 600 milhões de euros de IRC pois a taxa aplicar reduziu-se para 25%.
É claro que os impostos, na sua generalidade, continuarão a ser elevados. A carga fiscal mantém-se na sua globalidade. No que respeita ao IVA nada se alterou: excepto um ou outro aspecto muito pontual, continuaremos a pagar muito mais que os nossos vizinhos espanhois. As garantias dos contribuintes sofrem um sério ataque, com a inversão do ónus da prova para o lado do sujeito passivo (assim nos considera a gíria fiscal), pelo que ficaremos todos mais expostos à presunção tributária (ou arbitrária?). Mas prometem-nos, em contrapartida, dar mais justiça ao mercado, perseguindo e punindo os prevaricadores ficais. Oxalá não se cumpra a tradição pátria de pagar o justo pelo pecador...
A maior contrariedade é que tudo isto assenta em alicerces muito vulneráveis. O maior dos quais é a previsão para o enquadramento internacional: publicita-se a vontade de que o petróleo ande em média anual perto dos 39 dólares quando o seu preço actual ultrapassou já a barreira psicológica dos 50 dólares. Optimismo que, diga-se em abono da verdade, é partilhado, ainda em maior grau, pelos orçamentos francês e espanhol. Crê-se, por outro lado, que as receitas extraordinárias darão um contributo recorde para a meta das receitas totais. Se a estimativa se ficar pela crença lá se vai o equilíbrio das contas abaixo do fetiche dos 3% do produto interno. Não se pode duvidar que a economia não cresça ao ritmo fixado de 2,4%, caso contrário lá se vão as receitas fiscais por aí abaixo e mais uma machadada será infligida no défice.
Vamos então guardar um dos três desejos da passagem do ano para rogar que nada disto aconteça.
Mas se o leitor quer mesmo saber o que vai acontecer em 2005 não perderá muito se optar por um horóscopo.

luis.faria@luisfaria.com

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