ANDAM PERDIDOS
Andam Perdidos
Quase já toda a gente percebeu que este Governo teve de apanhar os cacos das sucessivas asneiras de política económica cometidas anos a fio. Incluindo por Cavaco Silva, ao promover, por exemplo, a actualização automática das carreiras dos funcionários públicos, traduzida em aumentos incomportáveis da massa salarial. Mas a situação chegou a um extremo «pantanoso» e incontrolável graças à verdadeira calamidade nacional chamada António Guterres. Coisa que o PS deverá reconhecer publicamente se quiser reconquistar credibilidade e confiança.
Este Governo, se calhar mais por necessidade do que por convicção (a hipótese de deixarem de entrar os dinheirinhos comunitários é geradora de pânico), adoptou outras premissas para a política económica. Acontece que, defendendo bons princípios, pratica más políticas.
A senhora ministra das Finanças veio dizer que importa sobrepor as políticas de oferta às políticas centradas na procura. Para o leitor que, como eu, não sabe ou desistiu de saber de Economia Política, preferindo a Economia Real, isto significa, no fundo, que haverá que apostar no investimento e no consumo privado. Importa pois criar condições para que tal aconteça, libertando recursos que são actualmente devorados pela máquina estatal e favorecendo um ambiente favorável à iniciativa na sociedade civil.
Como é que isto se consegue? Reduzindo a pressão do Estado sobre o cidadãos, traduzida em impostos, burocracia e ineficiência – tudo isto fica muito caro e sufoca o desenvolvimento do país.
Para atingir este objectivo o Governo tem de inverter o nosso tradicional modelo de crescimento, assente na despesa pública em investimento e salários com pessoal, o que foi permitindo injectar dinheiro na economia através de uns tantos grandes fornecimentos, principalmente em obras públicas atribuídos a privados e manter artificialmente um baixo nível de emprego, proeza que, recordo-me, até justificou um prémio europeu para Cavaco Silva. O modelo assenta numa mentira, pois seguramente que uma economia que produz tão pouco e tão mal com um elevado grau de analfabetismo e baixo nível de qualificações não pode empregar tanta gente.
Até porque, perdida a soberania monetária e cambial este modelo assente no despesismo público, com as receitas a crescerem sempre um pouco acima das despesas e muito acima do conjunto da riqueza na economia, rebenta com as costuras do Orçamento.
Não se vê como se pode mudar de rumo sem baixar os gastos públicos e os impostos.
Ora nem a despesa vem baixando o suficiente nem os impostos desceram – pelo contrário, aumentaram. Pior que o OE para 2004 só mesmo os argumentos da oposição. Globalmente a taxa de crescimento das receitas com os impostos aumentam muito acima da taxa prevista para o crescimento nominal do produto. Não se antevê que os portugueses, por exemplo, vão comprar carro novo mas a senhora ministra das Finanças espera arrecadar mais receita em Imposto Automóvel. É evidente que não vai. A execução vai ser um desastre e, à semelhança deste ano, o défice vai ser pulverizado, o que significa que nem cumprimos o tecto fixado para o défice nem relançamos a economia.
O que leva a constatar que o Governo, defendendo uma coisa, acaba por fazer outra. Pressente-se que anda perdido. Vive a ilusão de que vai conseguir, percorrendo o fio da navalha, sair-se bem da situação. Não vai. Arrisca-se a suicidar-se no encantamento de conseguir chuva na eira e sol no nabal.
Do ponto de vista político, que é o que naturalmente mais interessa ao primeiro-ministro, não há calendário eleitoral para aguardar o relançamento na economia. Está à vista que não pode fiar-se nos miseráveis resultados da recuperação internacional, como o demonstram os mais recentes resultados da Alemanha e França. E, aqui ao lado, tem a Espanha num patamar competitivo muito superior ao nosso, a crescer acima da média europeia enquanto nós nos afastamos, com défice público zero, menos IVA e menos impostos em geral.
Como só lhe resta a política orçamental e fiscal para sair do sarilho em que está metido só resta ao Governo libertar rapidamente recursos para o investimento privado, abrindo melhores expectativas aos agentes económico. Para isso terá de baixar efectivamente os impostos.
Perguntar-se-á: e os efeitos sobre a receita comprometendo o saldo das contas públicas e o limite fixado ao défice pelos critérios da integração europeia? A preocupação é relativa, pois, na hipótese extrema de não se conseguir conter a despesa numa medida proporcional aos efeitos na receita da descida de impostos não há grande problema em ultrapassar o critério dos 3%, desde que, como foi fixado na Cimeira de Amesterdão, a justificação do desvio não seja a falta de consolidação orçamental, ou seja, despesa a mais.
Seguramente que não seremos expulsos da UE nem voltaremos ao escudo por apresentarmos transitoriamente dificuldades no défice orçamental. Desde que se inverta a tradição de excessivo despesimo e laxismo na consolidação orçamental. Aliás, a correcção do problema do défice nem deve ser encarada como uma imposição da integração europeia. Constitui verdadeiramente o maior bloqueio ao nosso crescimento. A irracionalidade económica na opção pelo despesa do Estado como base do funcionamento da economia expressa-se na incapacidade de fazer políticas orçamentais anti-cíclicas e não cíclicas como vem acontecendo e está a acontecer: quando a situação é boa o Estado esbanja dinheiro e endivida-se em excesso, quando se entra em recessão, o Estado corta nos dinheiros e ajuda a afundar a economia. A política orçamental não tem muitos segredos, resume-se à fábula da cigarra e da formiguinha, amealhar no verão para enfrentar os invernos.
luis.faria@luisfaria.com 23 de Novembro de 2003 Publicado no Diário Económico
Quase já toda a gente percebeu que este Governo teve de apanhar os cacos das sucessivas asneiras de política económica cometidas anos a fio. Incluindo por Cavaco Silva, ao promover, por exemplo, a actualização automática das carreiras dos funcionários públicos, traduzida em aumentos incomportáveis da massa salarial. Mas a situação chegou a um extremo «pantanoso» e incontrolável graças à verdadeira calamidade nacional chamada António Guterres. Coisa que o PS deverá reconhecer publicamente se quiser reconquistar credibilidade e confiança.
Este Governo, se calhar mais por necessidade do que por convicção (a hipótese de deixarem de entrar os dinheirinhos comunitários é geradora de pânico), adoptou outras premissas para a política económica. Acontece que, defendendo bons princípios, pratica más políticas.
A senhora ministra das Finanças veio dizer que importa sobrepor as políticas de oferta às políticas centradas na procura. Para o leitor que, como eu, não sabe ou desistiu de saber de Economia Política, preferindo a Economia Real, isto significa, no fundo, que haverá que apostar no investimento e no consumo privado. Importa pois criar condições para que tal aconteça, libertando recursos que são actualmente devorados pela máquina estatal e favorecendo um ambiente favorável à iniciativa na sociedade civil.
Como é que isto se consegue? Reduzindo a pressão do Estado sobre o cidadãos, traduzida em impostos, burocracia e ineficiência – tudo isto fica muito caro e sufoca o desenvolvimento do país.
Para atingir este objectivo o Governo tem de inverter o nosso tradicional modelo de crescimento, assente na despesa pública em investimento e salários com pessoal, o que foi permitindo injectar dinheiro na economia através de uns tantos grandes fornecimentos, principalmente em obras públicas atribuídos a privados e manter artificialmente um baixo nível de emprego, proeza que, recordo-me, até justificou um prémio europeu para Cavaco Silva. O modelo assenta numa mentira, pois seguramente que uma economia que produz tão pouco e tão mal com um elevado grau de analfabetismo e baixo nível de qualificações não pode empregar tanta gente.
Até porque, perdida a soberania monetária e cambial este modelo assente no despesismo público, com as receitas a crescerem sempre um pouco acima das despesas e muito acima do conjunto da riqueza na economia, rebenta com as costuras do Orçamento.
Não se vê como se pode mudar de rumo sem baixar os gastos públicos e os impostos.
Ora nem a despesa vem baixando o suficiente nem os impostos desceram – pelo contrário, aumentaram. Pior que o OE para 2004 só mesmo os argumentos da oposição. Globalmente a taxa de crescimento das receitas com os impostos aumentam muito acima da taxa prevista para o crescimento nominal do produto. Não se antevê que os portugueses, por exemplo, vão comprar carro novo mas a senhora ministra das Finanças espera arrecadar mais receita em Imposto Automóvel. É evidente que não vai. A execução vai ser um desastre e, à semelhança deste ano, o défice vai ser pulverizado, o que significa que nem cumprimos o tecto fixado para o défice nem relançamos a economia.
O que leva a constatar que o Governo, defendendo uma coisa, acaba por fazer outra. Pressente-se que anda perdido. Vive a ilusão de que vai conseguir, percorrendo o fio da navalha, sair-se bem da situação. Não vai. Arrisca-se a suicidar-se no encantamento de conseguir chuva na eira e sol no nabal.
Do ponto de vista político, que é o que naturalmente mais interessa ao primeiro-ministro, não há calendário eleitoral para aguardar o relançamento na economia. Está à vista que não pode fiar-se nos miseráveis resultados da recuperação internacional, como o demonstram os mais recentes resultados da Alemanha e França. E, aqui ao lado, tem a Espanha num patamar competitivo muito superior ao nosso, a crescer acima da média europeia enquanto nós nos afastamos, com défice público zero, menos IVA e menos impostos em geral.
Como só lhe resta a política orçamental e fiscal para sair do sarilho em que está metido só resta ao Governo libertar rapidamente recursos para o investimento privado, abrindo melhores expectativas aos agentes económico. Para isso terá de baixar efectivamente os impostos.
Perguntar-se-á: e os efeitos sobre a receita comprometendo o saldo das contas públicas e o limite fixado ao défice pelos critérios da integração europeia? A preocupação é relativa, pois, na hipótese extrema de não se conseguir conter a despesa numa medida proporcional aos efeitos na receita da descida de impostos não há grande problema em ultrapassar o critério dos 3%, desde que, como foi fixado na Cimeira de Amesterdão, a justificação do desvio não seja a falta de consolidação orçamental, ou seja, despesa a mais.
Seguramente que não seremos expulsos da UE nem voltaremos ao escudo por apresentarmos transitoriamente dificuldades no défice orçamental. Desde que se inverta a tradição de excessivo despesimo e laxismo na consolidação orçamental. Aliás, a correcção do problema do défice nem deve ser encarada como uma imposição da integração europeia. Constitui verdadeiramente o maior bloqueio ao nosso crescimento. A irracionalidade económica na opção pelo despesa do Estado como base do funcionamento da economia expressa-se na incapacidade de fazer políticas orçamentais anti-cíclicas e não cíclicas como vem acontecendo e está a acontecer: quando a situação é boa o Estado esbanja dinheiro e endivida-se em excesso, quando se entra em recessão, o Estado corta nos dinheiros e ajuda a afundar a economia. A política orçamental não tem muitos segredos, resume-se à fábula da cigarra e da formiguinha, amealhar no verão para enfrentar os invernos.
luis.faria@luisfaria.com 23 de Novembro de 2003 Publicado no Diário Económico
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