O SUICÍDIO DE SANTANA
Os riscos da extraordinária e teatral cambalhota em curso na política portuguesa sobram quase por inteiro para Pedro Santana Lopes. A opção de Durão Barroso absolve inesperadamente (e, para ser sincero, não esperaria que o milagre fosse viável) a bizarra saída de cena de António Guterres e também enterra, agora sim em definitivo, a recorrente e «pesada herança» do Partido Socialista. Se conseguir desenrascar-se com algum sucesso Santana Lopes põe Ferro Rodrigues ainda em piores lençóis e, assim sendo, se o PS quiser, acidentalmente, fazer uma escolha inteligente, elegerá José Sócrates, reeditando-se, na mais iluminada ribalta da política, espectáculos televisivos de horário nobre.
Esta surpresa desencadeada na comédia do poder à entrada do Verão e em plena comoção colectiva com o Euro 2004, é a única que convém ao PSD. Prognosticámos há um ano, aqui no DE, que Durão Barroso já não conseguiria conjugar o ciclo político com o económico. A hecatombe das eleições europeias confirmou o palpite. Só Vítor Constâncio vai mantendo, na nossa modesta opinião, um optimismo indulgente quanto à retoma. Há indicadores mais positivos, mas a retoma pode, cada vez menos, confundir-se com o sofrível comportamento de dois ou três indicadores em função da ligeira melhoria da conjuntura internacional e das peripécias, cada vez menos interessantes, do ciclo económico doméstico. Se não se verificar uma retoma «estrutural», ou seja, se não fizermos o que é necessário para obter níveis de competitividade que nos permitam recuperar ritmos de crescimento elevado que nos aproximem do padrão europeu, ficaremos sempre muito além do indispensável quanto à efectiva recuperação da economia. Não bastam uns modestíssimos um e tal por cento de crescimento no PIB indígena, proporcionados por oscilações da economia internacional, quando tanto a Europa como a OCDE, constelações de países que já se encontram em patamares de desenvolvimento que estão muito acima do nosso, crescem a taxas claramente superiores e se afastam cada vez mais da mediocridade lusa. Se forem empenhados nas comparações, por este andar, os nossos governantes passarão a usar binóculos para fazer contas ao atraso para que nos remeteram.
Isto exige uma mudança radical e muito arrojada na política económica. Para Santana Lopes, que se propunha, cedo ou tarde, ser Presidente da República, aceitar ser primeiro-ministro nesta altura é um risco demasiado alto . Mesmo admitindo que assim se livra de dores de cabeça em Lisboa. E mesmo admitindo que possa jogar com a anunciada suavização das imposições do Pacto de Estabilidade, em especial quanto ao défice, que passará a ser dilatado no tempo, sendo punidas com menos ortodoxia possíveis violações. A simples leitura da imprensa indica que Manuela Ferreira Leite já deveria ter percebido há muito que andava a sacrificar a política económica a uma obsessão contabilística em vias de extinção. A competência na gestão das contas públicas, dentro da escassa liberdade que tem o titular das Finanças, não teve rasgo mas foi assim assim. A incompetência em matéria de política económica foi total.
Santana Lopes tem assim que constituir um Governo diferente e fazer uma outra política. Uma corrida contra o tempo, que só um recorde permitirá ganhar. Não bastam, para dissipar o descontentamento, exercícios, por melhores que sejam, de prestigitação populista com amplificação mediática, daqueles que Santana bem sabe executar. O povo quer coisas concretas. A força vai toda para a selecção e para Scolari, a pardacenta lista europeia do PSD teve a que se viu...
Vai ler de modo mais realista e sensata a questão da contenção do défice? Vai reduzir os impostos aumentando o rendimento das famílias e das empresas? Vai assinar o Contrato Social acedendo a algumas boas propostas de patrões e sindicalistas? Vai conseguir controlar a saga da venda de empresas do Estado? Para além do beija-mão ritualizado e normalmente inspirado em benesses, vai conseguir conquistar uma autêntica confiança da classe empresarial no seu conjunto, grandes, médias e pequenas empresas? Vai virar do avesso a segurança social do ministro Bagão Félix, reforçando quer os mecanismos de protecção, com maior recurso ao sector não-estatal, quer a estabilidade financeira do sistema público? Vai apostar numa maior independência e diversidade na política externa? Vai dar sinais visíveis de melhores serviços de saúde, educação e transportes? Em suma, vai rapidamente fazer com que os portugueses melhorem as suas condições de vida, principal motivação do sentido de voto?
Durão Barroso não dispunha de tempo útil para deitar fora a política seguida e recuperar os muitos milhares de votos perdidos. A celebrada captura da presidência da Comissão Europeia constitui um alívio caído do céu. Terá Santana Lopes meios e tempo para evitar o fiasco fatal da sua carreira política, mesmo partindo do princípio benévolo que, com a escolha de novo Governo, encontra gente com qualidade para levar a cabo esta missão teoricamente impossível? Estas questões, muito pesadas, irão estar num prato da balança, o seu habitual sentido de sobrevivência no outro.
luis.faria@luisfaria.com
29 de Junho de 2004 Publicado no Diário Económico
Esta surpresa desencadeada na comédia do poder à entrada do Verão e em plena comoção colectiva com o Euro 2004, é a única que convém ao PSD. Prognosticámos há um ano, aqui no DE, que Durão Barroso já não conseguiria conjugar o ciclo político com o económico. A hecatombe das eleições europeias confirmou o palpite. Só Vítor Constâncio vai mantendo, na nossa modesta opinião, um optimismo indulgente quanto à retoma. Há indicadores mais positivos, mas a retoma pode, cada vez menos, confundir-se com o sofrível comportamento de dois ou três indicadores em função da ligeira melhoria da conjuntura internacional e das peripécias, cada vez menos interessantes, do ciclo económico doméstico. Se não se verificar uma retoma «estrutural», ou seja, se não fizermos o que é necessário para obter níveis de competitividade que nos permitam recuperar ritmos de crescimento elevado que nos aproximem do padrão europeu, ficaremos sempre muito além do indispensável quanto à efectiva recuperação da economia. Não bastam uns modestíssimos um e tal por cento de crescimento no PIB indígena, proporcionados por oscilações da economia internacional, quando tanto a Europa como a OCDE, constelações de países que já se encontram em patamares de desenvolvimento que estão muito acima do nosso, crescem a taxas claramente superiores e se afastam cada vez mais da mediocridade lusa. Se forem empenhados nas comparações, por este andar, os nossos governantes passarão a usar binóculos para fazer contas ao atraso para que nos remeteram.
Isto exige uma mudança radical e muito arrojada na política económica. Para Santana Lopes, que se propunha, cedo ou tarde, ser Presidente da República, aceitar ser primeiro-ministro nesta altura é um risco demasiado alto . Mesmo admitindo que assim se livra de dores de cabeça em Lisboa. E mesmo admitindo que possa jogar com a anunciada suavização das imposições do Pacto de Estabilidade, em especial quanto ao défice, que passará a ser dilatado no tempo, sendo punidas com menos ortodoxia possíveis violações. A simples leitura da imprensa indica que Manuela Ferreira Leite já deveria ter percebido há muito que andava a sacrificar a política económica a uma obsessão contabilística em vias de extinção. A competência na gestão das contas públicas, dentro da escassa liberdade que tem o titular das Finanças, não teve rasgo mas foi assim assim. A incompetência em matéria de política económica foi total.
Santana Lopes tem assim que constituir um Governo diferente e fazer uma outra política. Uma corrida contra o tempo, que só um recorde permitirá ganhar. Não bastam, para dissipar o descontentamento, exercícios, por melhores que sejam, de prestigitação populista com amplificação mediática, daqueles que Santana bem sabe executar. O povo quer coisas concretas. A força vai toda para a selecção e para Scolari, a pardacenta lista europeia do PSD teve a que se viu...
Vai ler de modo mais realista e sensata a questão da contenção do défice? Vai reduzir os impostos aumentando o rendimento das famílias e das empresas? Vai assinar o Contrato Social acedendo a algumas boas propostas de patrões e sindicalistas? Vai conseguir controlar a saga da venda de empresas do Estado? Para além do beija-mão ritualizado e normalmente inspirado em benesses, vai conseguir conquistar uma autêntica confiança da classe empresarial no seu conjunto, grandes, médias e pequenas empresas? Vai virar do avesso a segurança social do ministro Bagão Félix, reforçando quer os mecanismos de protecção, com maior recurso ao sector não-estatal, quer a estabilidade financeira do sistema público? Vai apostar numa maior independência e diversidade na política externa? Vai dar sinais visíveis de melhores serviços de saúde, educação e transportes? Em suma, vai rapidamente fazer com que os portugueses melhorem as suas condições de vida, principal motivação do sentido de voto?
Durão Barroso não dispunha de tempo útil para deitar fora a política seguida e recuperar os muitos milhares de votos perdidos. A celebrada captura da presidência da Comissão Europeia constitui um alívio caído do céu. Terá Santana Lopes meios e tempo para evitar o fiasco fatal da sua carreira política, mesmo partindo do princípio benévolo que, com a escolha de novo Governo, encontra gente com qualidade para levar a cabo esta missão teoricamente impossível? Estas questões, muito pesadas, irão estar num prato da balança, o seu habitual sentido de sobrevivência no outro.
luis.faria@luisfaria.com
29 de Junho de 2004 Publicado no Diário Económico
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