A alternativa

O pior défice não é o orçamental, com mais ou menos receitas extraordinárias, mais ou menos desorçamentação, mais ou menos dúvidas e suspeitas quanto às dotações ou às cativações de investimento. O pior défice é o da falta de alternativa à miserável realidade que vivemos e o debate sobre a proposta de Orçamento de Estado para 2005, para além de, a espaços, acentuar as debilidades da proposta do governo, evidenciou, sobretudo, que a oposição não tem qualquer alternativa minimamente aceitável. A oposição, a avaliar por aquilo que se passou na Assembleia da República, conseguiria ainda fazer pior.
O cenário macroeconómico traçado é precário, demasiado dependente de previsões optimistas para o preço do petróleo e para o crescimento da economia mundial, mas o futuro é também incerto. A origem das receitas extraordinária é enigmática, não apenas no próximo ano como já este ano: que prédios, por exemplo, vai o Estado vender à banca, em que condições, para corresponder à terça parte das verbas que faltam na receita previstas para 2003?
A tímida descida do IRS é meia ficção. Serviu, regionalmente, a recente campanha para as ilhas, e, serve, a nível nacional, para tentar melhorar a posição da coligação nas sondagens.
A descida do IRC, decorrente do anterior orçamento, acaba por ver os seus efeitos esbatidos pelas alterações introduzidas no regime fiscal das empresas, como a passagem para tributação autónoma, à taxa de 5%, de certas despesas empresariais, com realce para as ajudas de custo, as, até agora, quais suportavam um acréscimo à matéria colectável de 20%.
Anuncia-se um verdadeiro assalto às garantias dos contribuintes, que já estavam subjugados, como toda a gente sabe, à prepotência da administração fiscal.
Em suma, pouco ou nada se faz no sentido de aumentar a competitividade fiscal das empresas e da economia, mantendo-nos o governo no caminho da aniquilação.
Face a este panorama, à oposição só ocorreu reclamar mais despesa pública. Não desceriam impostos e aumentariam o investimento público. Não aprenderam nada.
O eng Sócrates até tinha ao seu dispor alguns argumentos para se safar do embaraço eventualmente criado pela campanha propagandística da descida dos impostos. Escolheu o pior. Quis passar por profundo e sério e acabou apenas por parecer incompetente ou mal aconselhado e acompanhado.
Fez uma aparição desastrada, quando a suspeita de que nada iria realmente mudar em matéria de impostos já grassava na comunicação social e acabou por conferir à propaganda governamental o que lhe faltava: verosimilhança. Ficámos pois todos a saber que com os socialistas passaremos a viver pior do que já estamos. Em benefício da consolidação orçamental, claro está.
O maior defeito deste orçamento, e tem muitos, não será o de reconhecer, no plano dos princípios, a necessidade de baixar a carga fiscal para relançar, de vez, a economia.
Não há outra solução. Não se consegue mudar, da noite para o dia, o perfil das nossas exportações, nem interferir no preço do petróleo, no défice externo e interno norte-americano, no ritmo de evolução da economia internacional e em eventuais acções terroristas.
E talvez fosse preferível, na perspectiva da redução da despesa pública (a que conta verdadeiramente para a tal «consolidação» que nos esmaga a vida) e da eficiência das políticas da procura, baixar efectivamente os impostos em vez de aumentar os funcionários públicos, aproximando mais os rendimentos líquidos dos rendimentos brutos e reduzindo, duma penada, os encargos de tesouraria das empresas e a pressão salarial.
Mas se o eng Sócrates não apresenta grandes soluções aparenta paixões. Reafirmou a nova paixão socialista pela tecnologia, tudo indiciando que isso custe mais despesa pública em «centros», «pólos», comissões, institutos e programas. No que respeita ao investimento em tecnologia nunca ocorreu aos nossos políticos começar por rever coisas simples como as tabelas de amortizações e provisões. Deixar, por exemplo, que a aquisição do hardware necessário à concretização dos sonhos tecnológicos seja levado a custo anual pelas pequenas empresas e as start-up.
Fora isto, o eng Sócrates reabilitou a paixão pela educação do eng Guterres. Adivinha-se que o nosso celebrado défice de qualificações exija, também ele, mais despesa. Apesar de sermos dos países que, no conjunto da OCDE, que gastam mais em educação em percentagem do produto interno. Mais que países como os Estados Unidos, Japão, Canadá; Espanha, Alemanha, Itália, Reino Unido, Países Baixos, Suiça e Grécia. Somos dos que pagamos melhor aos professores, principalmente em relação aos que atingem o topo da carreira, em relação ao produto interno per capita. E, contudo, temos menos gente habilitada com o ensino secundário que todos esses países.
Às vezes é preciso gastar mais para pôr as coisas a funcionar. Não é o caso.
Os indígenas habituaram-se a votar no PSD quando se fartam do PS e no PS quando se fartam do PSD. E quando se fartarem dos dois?

luís.faria@luisfaria.com

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