O LOBO DE FRALDAS
Depois da torrente de informação desencadeada com a apresentação do OE para o próximo ano o comum dos mortais estará seguramente mais confundido que esclarecido. Afinal é bom ou mau? Ou, colocada a questão de modo menos categórico: é melhor ou pior que os anteriores? É melhor pela simples razão que fazer pior que a Dra Ferreira Leite era quase impossível.
No OE/2005 prevê-se que despesa pública desça em termos reais e que a taxa de crescimento da despesa corrente primária fique abaixo da taxa média de inflação prevista. Não sendo radicais, estas intenções constituem um principio saudável.
E quanto a impostos, como ficamos? A proposta orçamental não reduz a carga fiscal no seu conjunto (os 600 milhões de euros de IRC vem do OE anterior e a redução das taxas de IRS aos contribuintes de menores rendimentos vai acabar por se diluir da eliminação das deduções em instrumentos de poupança e nas mudança de escalão resultante das actualizações salariais) mas também não a agrava ostensivamente. Mas nada de especialmente relevante acontece – mantém-se o IVA em taxas suicidárias tendo presente a integração rápida da economia ibérica (salvam-se as fraldas...), assim como os absurdos pagamentos especiais por conta. Não se mexe nas amortizações e provisões e, nalguns casos, alarga-se a tributação autónoma.
No fundo, o maior, e talvez único, mérito deste Orçamento é o de passar um enorme atestado de incompetência aos seus antecessores.
Coloca-se no «mainstream» e, por isso mesmo, deixou atrapalhados os adversários do poder – que não se resumem, como se sabe, apenas à oposição partidária. Toda a gente condenava, à boca pequena, que a banca pagasse menos 22 pontos percentuais na taxa de imposto sobre os lucros que as pequenas e médias empresas que passam por dificuldades. Estabeleceu-se agora uma colecta mínima de 15% de taxa efectiva de imposto para o sistema bancário. Se verá quanto pagarão no final do exercício... Mas a moralidade fica-se por aqui, já que, do mesmo passo, se propõe um verdadeiro «branqueamento fiscal» dos elementos patrimoniais de natureza mobiliária detidos por residentes no exterior, que passam, com a cumplicidade do Governo, a resumir as suas obrigações fiscais a um imposto correspondente a 5% do valor daqueles elementos! Como começa a roçar o escândalo um sistema arbitrário de benefícios fiscais que cava sérias desigualdades no tecido empresarial foi o Governo expedito a propôr a supressão dos poucos benefícios fiscais que se justificavam, dirigidos à poupança da classe média.
Para além de assentar em alicerces frágeis (o petróleo a 39 dólares, uma complexa teia de receitas extraordinárias, dotações e transferências correntes que insinua um esforço ciclópico de desorçamentação) o OE/2005 traz coisas inaceitáveis.
A promessa de combate necessário e intrépido à fuga ao fisco traduz-se-se, em rigor, num assalto às garantias dos contribuintes. Exemplos? Aí vão alguns: as alterações propostas quanto ao aumento dos prazos de caducidade e prescrição, a inversão do ónus da prova em caso de não sujeição, o alargamento das situações que admitem o recurso à avaliação indirecta, a redução do prazo para a administração tributária requerer dissolução judicial das sociedades, a penalização dos contribuintes cumpridores pelo «deficiente» policiamento dos respectivos fornecedores! Outro significado não tem a pretensão de eliminar a dedução fiscal de documentos passados por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido.
Esta proposta orçamental parece-se muito com a estória do lobo e do capuchinho vermelho. O lobo, de fraldas, parece inofensivo mas a sua boca desmesurada apresta-se a devorar as garantias de todos nós perante a prepotência do Estado e da administração fiscal.
luis.faria@luisfaria.com 24 de Outubro de 2004 Publicado na revista Tempo
No OE/2005 prevê-se que despesa pública desça em termos reais e que a taxa de crescimento da despesa corrente primária fique abaixo da taxa média de inflação prevista. Não sendo radicais, estas intenções constituem um principio saudável.
E quanto a impostos, como ficamos? A proposta orçamental não reduz a carga fiscal no seu conjunto (os 600 milhões de euros de IRC vem do OE anterior e a redução das taxas de IRS aos contribuintes de menores rendimentos vai acabar por se diluir da eliminação das deduções em instrumentos de poupança e nas mudança de escalão resultante das actualizações salariais) mas também não a agrava ostensivamente. Mas nada de especialmente relevante acontece – mantém-se o IVA em taxas suicidárias tendo presente a integração rápida da economia ibérica (salvam-se as fraldas...), assim como os absurdos pagamentos especiais por conta. Não se mexe nas amortizações e provisões e, nalguns casos, alarga-se a tributação autónoma.
No fundo, o maior, e talvez único, mérito deste Orçamento é o de passar um enorme atestado de incompetência aos seus antecessores.
Coloca-se no «mainstream» e, por isso mesmo, deixou atrapalhados os adversários do poder – que não se resumem, como se sabe, apenas à oposição partidária. Toda a gente condenava, à boca pequena, que a banca pagasse menos 22 pontos percentuais na taxa de imposto sobre os lucros que as pequenas e médias empresas que passam por dificuldades. Estabeleceu-se agora uma colecta mínima de 15% de taxa efectiva de imposto para o sistema bancário. Se verá quanto pagarão no final do exercício... Mas a moralidade fica-se por aqui, já que, do mesmo passo, se propõe um verdadeiro «branqueamento fiscal» dos elementos patrimoniais de natureza mobiliária detidos por residentes no exterior, que passam, com a cumplicidade do Governo, a resumir as suas obrigações fiscais a um imposto correspondente a 5% do valor daqueles elementos! Como começa a roçar o escândalo um sistema arbitrário de benefícios fiscais que cava sérias desigualdades no tecido empresarial foi o Governo expedito a propôr a supressão dos poucos benefícios fiscais que se justificavam, dirigidos à poupança da classe média.
Para além de assentar em alicerces frágeis (o petróleo a 39 dólares, uma complexa teia de receitas extraordinárias, dotações e transferências correntes que insinua um esforço ciclópico de desorçamentação) o OE/2005 traz coisas inaceitáveis.
A promessa de combate necessário e intrépido à fuga ao fisco traduz-se-se, em rigor, num assalto às garantias dos contribuintes. Exemplos? Aí vão alguns: as alterações propostas quanto ao aumento dos prazos de caducidade e prescrição, a inversão do ónus da prova em caso de não sujeição, o alargamento das situações que admitem o recurso à avaliação indirecta, a redução do prazo para a administração tributária requerer dissolução judicial das sociedades, a penalização dos contribuintes cumpridores pelo «deficiente» policiamento dos respectivos fornecedores! Outro significado não tem a pretensão de eliminar a dedução fiscal de documentos passados por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido.
Esta proposta orçamental parece-se muito com a estória do lobo e do capuchinho vermelho. O lobo, de fraldas, parece inofensivo mas a sua boca desmesurada apresta-se a devorar as garantias de todos nós perante a prepotência do Estado e da administração fiscal.
luis.faria@luisfaria.com 24 de Outubro de 2004 Publicado na revista Tempo
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