As anedotas e os factos
O anedotário lusitano é uma riqueza da nação e é pena que não sirva para pagar, um dia, o excesso de despesa do Estado. O bom povo português adora anedotas, a imprensa, que o municia de informação, dá-lhe anedotas e os políticos e as elites comportam-se, de modo geral, como anedotas.
O dr. Santana Lopes, por exemplo, decidiu aprovar um cartaz kitsch, onde se exibe entre os anteriores dirigentes do PSD (Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Cavaco Silva e Durão Barroso) numa pose que invoca a versão maoista do fantástico quinteto marxista-leninista de outras eras. Só se descortina como motivo plausível para o empreendimento uma discreta homenagem à astúcia do dr. Durão Barroso, que fugiu ao incómodo de governar o país com a ligeireza de quem apenas muda para emprego melhor. E, se o prof. Cavaco Silva não tivesse exigido que retirassem a sua figura do outdoor, num gesto de devoção esquisita ao partido que o subtraiu ao anonimato, teríamos a paisagem quotidiana decorada, durante uns tempos, por um ícone do mau gosto.
O dr. Santana Lopes tem sentido na pele que os azares nunca vêm sós. Cometido por uma pulsão suicida, entendeu convidar o dr. Pôncio Monteiro, um ser patusco que se notabilizou na televisão pelo sectarismo futebolístico, para a lista a deputados pelo Porto. O estilo faz o homem e o dr. Pôncio acabou por sair da lista exercitando a mesma truculência ridícula que terá inspirado a sua inclusão.
O azar do dr. Santana Lopes é compensado pela sorte do eng. Sócrates, como se também as anedotas tivessem duas faces. Na impossibilidade de se remeter ao silêncio absoluto até dia 20 de Fevereiro, o eng. Sócrates vai dissertando sobre tudo menos sobre o que interessa. Fala da paixão pela tecnologia, jura a dignificação do Estado, arenga sobre as energias renováveis, a protecção do ambiente, a defesa do consumidor. Só não diz como vai resolver o problema do colapso das finanças públicas e pôr a economia a funcionar. O eng. Sócrates, ao não querer correr risco nenhum, começa a correr o maior de todos: não conseguir anestesiar o número de leitores indispensáveis para chegar à maioria absoluta. Há já mesmo alguns cidadãos excêntricos que acham mais prudente votar em branco a passar-lhe cheques em branco.
As permanentes escapadelas aos factos da vida (e as anedotas mais não fazem, afinal, que exorcizá-los) não impede que eles existam. A ambição de crescermos 2,4 cento este ano, inscrita no Orçamento de Estado, parecendo, à partida, modestíssima, mostra-se, afinal, megalómana. Na menos sombria das hipóteses, a taxa de crescimento do produto ficar-se-á pelos 1,6 por cento. E, com o crescimento a encolher, lá se vai a previsão da receita.
O panorama é tão desolador que até o prof. Eduardo Lourenço, farto da rabugice nacional, inútil e hipócrita, se converteu ao conformismo, em respeito ao princípio que aconselha a não se tentar tirar sangue de um nabo. Economistas ilustres como o dr. Vítor Constâncio e o dr. João Salgueiro rendem-se, por seu lado, à fatalidade da engorda dos impostos, a par do emagrecimento, que se adivinha sofrido, da vaca pública. Já o dr. Miguel Frasquilho não desiste, louve-se-lhe a perseverança, de comprometer o PSD com a redução da carga fiscal. Veio propor a diminuição do peso do Estado na economia de 47 para 40 por cento e reafirmar, numa nota de optimismo dissonante, a promessa da descida da taxa nominal de IRC para 20 por cento, desde que, foi adiantando prudentemente, «as condições o permitam, sem pôr em causa a consolidação orçamental».
Mas foi o dr. Miguel Cadilhe que, numa excelente entrevista concedida ao «Jornal de Notícias», nos trouxe um vestígio de esperança e bom senso. Defende um programa arrojado para pôr na ordem a administração e reanimar a economia, envolvendo, em simultâneo, a diminuição da carga fiscal e uma redução anual de 7 por cento da despesa corrente do Estado em volume, para que o seu peso sobre o produto desça dos actuais 40 por cento para 27 por cento em 2008. E, para financiar o saneamento do sector público, não se coíbe de sugerir o recurso aos mais de cinco mil milhões de euros de reservas de ouro do Banco de Portugal.
Deu-nos, enfim, motivo sério para debater. Mas decerto que a «inteligência» pátria continuará a optar pela irresponsabilidade e sobranceria e os indígenas a olhar pela vidinha e a preferir as anedotas. Será que os socialistas, em benefício democrático do esclarecimento do eleitorado, nos podem informar quantos mergulhos deu o dr. Morais Sarmento em S. Tomé?
luís.faria@luisfaria.com
O dr. Santana Lopes, por exemplo, decidiu aprovar um cartaz kitsch, onde se exibe entre os anteriores dirigentes do PSD (Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Cavaco Silva e Durão Barroso) numa pose que invoca a versão maoista do fantástico quinteto marxista-leninista de outras eras. Só se descortina como motivo plausível para o empreendimento uma discreta homenagem à astúcia do dr. Durão Barroso, que fugiu ao incómodo de governar o país com a ligeireza de quem apenas muda para emprego melhor. E, se o prof. Cavaco Silva não tivesse exigido que retirassem a sua figura do outdoor, num gesto de devoção esquisita ao partido que o subtraiu ao anonimato, teríamos a paisagem quotidiana decorada, durante uns tempos, por um ícone do mau gosto.
O dr. Santana Lopes tem sentido na pele que os azares nunca vêm sós. Cometido por uma pulsão suicida, entendeu convidar o dr. Pôncio Monteiro, um ser patusco que se notabilizou na televisão pelo sectarismo futebolístico, para a lista a deputados pelo Porto. O estilo faz o homem e o dr. Pôncio acabou por sair da lista exercitando a mesma truculência ridícula que terá inspirado a sua inclusão.
O azar do dr. Santana Lopes é compensado pela sorte do eng. Sócrates, como se também as anedotas tivessem duas faces. Na impossibilidade de se remeter ao silêncio absoluto até dia 20 de Fevereiro, o eng. Sócrates vai dissertando sobre tudo menos sobre o que interessa. Fala da paixão pela tecnologia, jura a dignificação do Estado, arenga sobre as energias renováveis, a protecção do ambiente, a defesa do consumidor. Só não diz como vai resolver o problema do colapso das finanças públicas e pôr a economia a funcionar. O eng. Sócrates, ao não querer correr risco nenhum, começa a correr o maior de todos: não conseguir anestesiar o número de leitores indispensáveis para chegar à maioria absoluta. Há já mesmo alguns cidadãos excêntricos que acham mais prudente votar em branco a passar-lhe cheques em branco.
As permanentes escapadelas aos factos da vida (e as anedotas mais não fazem, afinal, que exorcizá-los) não impede que eles existam. A ambição de crescermos 2,4 cento este ano, inscrita no Orçamento de Estado, parecendo, à partida, modestíssima, mostra-se, afinal, megalómana. Na menos sombria das hipóteses, a taxa de crescimento do produto ficar-se-á pelos 1,6 por cento. E, com o crescimento a encolher, lá se vai a previsão da receita.
O panorama é tão desolador que até o prof. Eduardo Lourenço, farto da rabugice nacional, inútil e hipócrita, se converteu ao conformismo, em respeito ao princípio que aconselha a não se tentar tirar sangue de um nabo. Economistas ilustres como o dr. Vítor Constâncio e o dr. João Salgueiro rendem-se, por seu lado, à fatalidade da engorda dos impostos, a par do emagrecimento, que se adivinha sofrido, da vaca pública. Já o dr. Miguel Frasquilho não desiste, louve-se-lhe a perseverança, de comprometer o PSD com a redução da carga fiscal. Veio propor a diminuição do peso do Estado na economia de 47 para 40 por cento e reafirmar, numa nota de optimismo dissonante, a promessa da descida da taxa nominal de IRC para 20 por cento, desde que, foi adiantando prudentemente, «as condições o permitam, sem pôr em causa a consolidação orçamental».
Mas foi o dr. Miguel Cadilhe que, numa excelente entrevista concedida ao «Jornal de Notícias», nos trouxe um vestígio de esperança e bom senso. Defende um programa arrojado para pôr na ordem a administração e reanimar a economia, envolvendo, em simultâneo, a diminuição da carga fiscal e uma redução anual de 7 por cento da despesa corrente do Estado em volume, para que o seu peso sobre o produto desça dos actuais 40 por cento para 27 por cento em 2008. E, para financiar o saneamento do sector público, não se coíbe de sugerir o recurso aos mais de cinco mil milhões de euros de reservas de ouro do Banco de Portugal.
Deu-nos, enfim, motivo sério para debater. Mas decerto que a «inteligência» pátria continuará a optar pela irresponsabilidade e sobranceria e os indígenas a olhar pela vidinha e a preferir as anedotas. Será que os socialistas, em benefício democrático do esclarecimento do eleitorado, nos podem informar quantos mergulhos deu o dr. Morais Sarmento em S. Tomé?
luís.faria@luisfaria.com
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