O céu não pode esperar

Já se adivinhava. Cedo ou tarde, a receita para compensar o excesso de despesa viria do combate à fraude, evasão e outras trapaças fiscais e parafiscais. De legislatura para legislatura ouvimos a mesma promessa e os ganhos são poucos. Os resultados do intrépido combate têm-se ficado pelo aumento da carga fiscal para os que pagam, ou seja, os que se dando, honesta e civicamente, a conhecer, permitem à administração tributária vigiar-lhes o cadastro.
Para início de conversa o eng. José Sócrates pretende «poupar» 500 milhões de euros ao Orçamento de Estado através do combate à fuga às contribuições para a segurança social. Assim aumentará aos idosos mais pobres com pensões inferiores a 300 euros. Os velhinhos bem podem esperar, pois é mais fácil ganhar o céu que os 90 euros que resultem do empenho fiscalizador dos socialistas.
Será mais justo exigir ao eng. Sócrates que se comprometa a melhorar as miseráveis pensões dos reformados com o dinheiro que o Estado subtrai, a um ritmo galopante, aos nossos bolsos. Será mais útil pedir aos que se candidatam a governar-nos que apresentem ideias concretas para a reforma do sistema público de segurança social, cujo desequilíbrio tenderá a agudizar-se por força da evolução demográfica.
O nível da nossa carga fiscal e parafiscal sobre o produto é idêntico ao dos países a quem se deve a autoria do «modelo social europeu», hoje em revisão, mas que, na sua versão tradicional, ainda serve de referência mítica à esquerda doméstica, PS incluído. Entre os países considerados mais desenvolvidos, somos dos que gastam mais produto em saúde e o acesso à assistência médica e as condições hospitalares são o que se vê. Também somos dos que empregam mais riqueza na educação e as qualificações são que se sabe. Sem baixar os encargos da segurança social sobre o factor trabalho muito dificilmente se eliminará desemprego e se desanuviará a atmosfera laboral. Os portugueses são os europeus mais pobres, embora os encargos salariais aumentem acima da produtividade.
Em Portugal é tudo muito caro e quase tudo demasiado mau. E não se vê como, sem uma descida dos impostos e a reforma profunda da administração pública, se consiga mudar a situação. Uma certa sensibilidade dos indígenas para a questão faz com que a demagogia eleitoral baixe um dia os impostos, os aumente no outro e os mantenha inalterados ao terceiro. Que o digam o dr. Santana Lopes, o dr. Miguel Frasquilho e o dr. Bagão Félix. Num gesto de honestidade política espontânea exemplificaram que a confusão pode ser a mesma quer se tente seduzir os eleitores quer se tenha na mão o poder sobre os cidadãos.
Ora, começou por circular o boato do aumento do IVA como solução para a receita. Não pegou, as reacções foram de repugnância, inoportunas para o momento eleitoral. Estava-se mesmo a ver que a justificação para se tentar acomodar o despesismo do Estado ao critério comunitário que impõe penalizações a défices demasiado altos iria assentar, de novo, na cantilena de que o IVA é um «imposto justo», o que leva qualquer mortal dotado de um mínimo de lógica a concluir que os outros são «injustos». O moralismo espertalhaço sobre a fiscalidade não preenche a total ausência de ética fiscal. Qualquer subida de impostos, como a dra. Ferreira Leite provou com o aumento da taxa normal de IVA para 19 por cento, tem como efeito seguro o maior abrandamento da actividade económica. Se isso acontecesse, nem chegaríamos aos miseráveis 1,6 por cento de aumento do PIB previstos pelo Banco de Portugal para este ano… A revisão das regras de supervisão comunitária sobre o défice está em curso, mas será uma ilusão pensar que a regra do equilíbrio orçamental vai ser abandonado. Dá-nos uma folga de tesouraria, não nos poupa à necessidade de sanear as finanças públicas. Os alemães apenas pedem que se tenha em conta o custo das reformas sociais que, ao contrário de nós, estão a empreender e que seja tida em consideração o seu generoso contributo para o orçamento comunitário. Não haverá União Monetária se os preços dispararem nalguns países em consequência da desorientação das contas públicas, motivo porque irá manter-se uma vigilância apertada do seu saldo e a imposição de disciplina orçamental. O objectivo é empurrar os défices para o grau zero.
A sorte do país não deverá mudar perceptivelmente no próximo dia 20 de Fevereiro.
Se estivéssemos em velocidade de cruzeiro, se tudo não passasse de alternância mansa e democrática entre duas sensibilidades, uma mais centrada na eficiência económica, outra nas questões sociais, não haveria lugar para grandes preocupações. Acontece que a realidade não é essa. Não vivemos no melhor dos mundos, a situação, sabe-se, é particularmente difícil. Atrasamo-nos, cada vez mais, quanto ao crescimento económico e à qualidade de vida numa Europa cada vez mais integrada e num mundo ainda mais competitivo.
A campanha vai trazer ideias vagas e patetas, demagogia, contradições e, pela certa, muitas peripécias emocionantes. Para amolecer o mal-estar nada como uma boa distracção.

luís.faria@luisfaria.com

Comentários

Mensagens populares