O Pacto

O país anda perdido. E o desespero de ser atirado, sem soluções, para uma posição cada vez mais miserável na Europa a que diziam pertencer, torna mais claro o quanto está dividido por corporações, interesses e comodidades.
Em momentos empolgantes como este é costume vir à baila a questão do «pacto de regime». Que, sendo de conteúdo incerto e improvável e, sobretudo, não contando com negociadores e subscritores à altura, tem o mérito de mostrar que a chamada sociedade civil não se apresenta em melhor estado que a desacreditada classe política.
A verdade é que, além dos políticos, não há mais ninguém para celebrar qualquer pacto e é de todo aconselhável não meter o Presidente da República no assunto, comprovado que está que tem mais jeito para arranjar complicações que para pôr-lhes cobro.
O eng. Van Zeller seria o dirigente patronal mais indicado para se envolver no pacto. O presidente da CIP, tradicionalmente cognominado como o «patrão dos patrões», é quem se encontra, teoricamente, em melhor posição para obter e expressar entendimentos no universo empresarial. Só que, se o dr. Santana Lopes é um erro de casting, o eng. Van Zeller é um erro de filme. O homem deve estar noutra. Em vez de exigir as reformas, sobretudo no sistema fiscal, anuiu penosamente à simulação de uma revisão das leis laborais e entretém-se a regatear referenciais de salários com os sindicatos e a especular sobre as características do dr. Santana. E, de dentro da CIP, não se esperam mais novidades, dado que o eng Ludgero Marques e o comendador Rocha de Matos ficarão a discutir, o resto da vida, o magnífico conto de Borges chamado «Os Rivais». Não surpreende assim que, até ao momento, apenas se tenham feito ouvir, do lado patronal, os espontâneos do «Compromisso Portugal». E nem estiveram mal.
No mundo sindical o panorama não é melhor. O eng. Proença e o dr. Carvalho da Silva decidiram aparecer para reivindicar o adiamento de um acordo fantasma e as actualizações salariais próprias do calendário. Também não andam por este mundo.
Não há pois parceiros sociais para assinar qualquer pacto. O mais apto, quanto a nós, é o dr. Carvalho da Silva, mas será um excesso pedir-lhe que exija a reforma da administração, a redução da despesa pública, dos impostos e do peso do Estado na economia, a reforma da segurança social, que passa pela privatização de parte do sistema público de protecção e o ajustamento da legislação laboral à dinâmica do mercado de trabalho.
Encontramo-nos pois, quer queiramos quer não, nas mãos do eng. Sócrates e do dr. Lopes. Se um, até agora, não disse nada, o outro, nada disse. O dr. Santana está a preparar o contra-ataque e o eng. Sócrates vai fazendo umas descobertas avulsas, a mais interessante das quais é de que as receitas extraordinárias viciam. Pois claro que viciam. Aliás, seria interessante que o eng. Sócrates levasse essas suas preocupações às últimas consequências para concluir que o Estado é uma droga e que o país se viciou nela há muito tempo.
Não há dinheiro no Estado, é impensável subir a carga fiscal sem comprometer, de vez, o crescimento do produto e, enquanto houver património e fundos para integrar contabilisticamente na Caixa Nacional de Aposentações, não se vai querer outra coisa. Já se anda nisso há quatro anos. E é mesmo mau indício que o eng. Sócrates venha agora berrar que o património é do povo. Será que o PS se vai dar ao incómodo de clarificar o que pensa e ao que vem? Ou vamos apenas ter um remix dos hossanas ao Estado previdência e ao modelo social europeu, como o insinua a hipótese de entendimento com o Bloco? Para pior já basta assim.
O défice não é um objectivo de política é uma questão financeira. E as coisas só se confundem porque, quando não se tem política, vale tudo. Foi o caso do dr. Félix que, contra a corrente da política recomendável face à situação de falência do modelo de segurança social, veio transformar alguns dos poucos fundos de pensões já existentes em activos financeiros destinados a fazer cosmética em torno do défice.
Seria bom que tudo não se resumisse, dia 20 de Fevereiro, a referendar os estados de alma dos nativos em relação à personalidade do dr. Santana Lopes e que, até lá, ele e o eng. Sócrates viessem explicar como se vão sair da situação, a qual, por ironia, foi gerada e apaparicada pelo centrismo nacional, que representam.
Como não se cria riqueza, como não há capacidade para lançar políticas que dinamizem a economia, como a crença na iniciativa privada se fica pela aposta nuns tantos capitalistas que vão financiando o sistema partidário, endrominou-se a ideia simples de que o Estado agiria supletivamente à custa dos nossos impostos, dando emprego a quem não tem ou a quem não presta. O eng. Sócrates e o dr. Santana terão de resolver sozinhos a embrulhada em que estão metidos. Não contam com parceiros sociais para celebrar nenhum pacto. Podem optar, contudo, por um pacto com o diabo.

luís.faria@luisfaria.com

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