E agora José?

O resultado das eleições do passado Domingo traz um dado novo à política portuguesa. Os socialistas podem chegar sozinhos ao poder sem precisar de mais ninguém, a esquerda governativa consegue, no nosso sistema eleitoral, atingir a maioria absoluta. É verdade que já o prof. Cavaco Silva o conseguira, mas, como se sabe, em condições diferentes, dando continuidade a uma legislatura, depois de mostrar, no concreto, ao que vinha. O eng José Sócrates fez bem em salientar, na sua primeira intervenção após a divulgação dos resultados do escrutínio, este facto. Que, sendo novo, também é, porventura, uma das últimas oportunidades do regime. A partir daqui não há muito mais a experimentar, tudo entra rapidamente na categoria de «dejá vu».
A maioria absoluta dos socialistas aparece associada a um segundo facto marcante nos resultados do sufrágio: o país sofreu a maior guinada à esquerda desde a implantação do actual regime, o que pode dificultar ainda mais a tarefa do eng Sócrates que, querendo protagonizar uma esquerda moderna, à «Blair», dando corpo ao sonho falhado do eng Guterres, conta com ideias difusas e tropas arcaicas e generalizadamente mal preparadas. No fundo, o crescimento do Bloco de Esquerda, e mesmo dos comunistas, anuncia problemas. O dr. Louçã, sempre espertalhaço, encarregou-se logo de chamar a atenção para o «bloco social» consagrado por estas eleições. Este bloco social, que traduz, por um lado, o bom povo castigado pela crise e inevitavelmente condenado ao empobrecimento e, por outro, uma miserável classe média, para quem a mudança apenas reflecte as saudades dos tempos fáceis e irresponsáveis do prof. Cavaco e do eng Guterres.
O que há de mais notável no eng Sócrates é a habilidade rara que tem para triunfar sobre todas as dificuldades sem nunca se comprometer demasiado Assim aconteceu com o despique interno do PS. Nunca quis levar muito longe o debate. E assim se passou ao longo de toda a campanha eleitoral, limitando-se a repetir, com precisão mecânica, dois ou três slogans ou a indignar-se quando lhe deram motivo para isso.
Agora, no programa, na escolha do governo, e, acima de tudo, nas políticas e no orçamento, o eng Sócrates tem de ir a jogo e mostrar os trunfos que tem. E superar os tiques ideológicos que impedem que os socialistas consigam apresentar um programa e uma prática modernas de governação, assumindo como dados adquiridos, consensuais com a direita, a inevitabilidade de reduzir os impostos, a despesa do Estado, a burocracia e, implicitamente, o número de funcionários públicos, a necessidade urgente de reformar a segurança social, a educação e a saúde com o apoio do sector privado, tornar a justiça eficiente e respeitada e modificar drasticamente a regulamentação do mercado de trabalho e da concorrência.
Distribuir jovens licenciados por um milhar de PME é mais o prémio de um concurso televisivo que a solução do problema. Orientar as verbas do próximo quadro comunitário de apoio, o quinto, para a modernização tecnológica e para a formação profissional pode não ser má ideia mas não é suficiente para animar a oferta e obter crescimento económico. Lembrar que os socialistas gostam da concertação social é pouco, dado que as diferenças que separam os parceiros, seguramente mais acentuadas no novo contexto, não fazem antever qualquer acordo relevante.
Conciliar o equilíbrio das finanças políticas e a dinamização das políticas sobre a oferta que relancem o crescimento económico com as acções sociais de rua do dr. Louçã não vai ser tarefa fácil. Será a vez do eng José Sócrates nos surpreender.
Até porque conta ainda, como espada de Democles sobre o seu desempenho, com as consequências da grande vitória averbada dia 20 pelo sr. Presidente da República. O dr. Jorge Sampaio livrou-se de um sarilho enorme. Introduziu também um precedente medonho. A possibilidade do Presidente da República dissolver qualquer legislatura a meio.
Muito vai mudar na política portuguesa. Ao sair o dr. Paulo Portas esvazia o CDS, ao ficar o dr. Santana Lopes ameaça uma recomposição radical no PSD. Quem arca, por agora, com as responsabilidades todas é o eng José Sócrates.


luís.faria@luisfaria.com

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