O triângulo fatal

O mistério sobre o que vai ser a governação do eng. José Sócrates, um homem que conquistou um respeitável quinhão de poder entre os indígenas, ainda não se dissipou e, valha a verdade, também ninguém pediu grandes esclarecimentos. Apresentou, muito coerentemente, um programa de governo clonado do programa eleitoral. Sabemos onde o Estado vai gastar mais. O que não sabemos é onde, em compensação, vai gastar menos ou onde vai buscar mais dinheiro. O programa eleitoral e do governo não prevê aumentos de impostos. O ministro das Finanças, logo após ter sido indigitado, admitiu que eles podem subir. O primeiro-ministro assegurou, de seguida, que não. Bem me queres, mal me queres, muito, pouco ou nada…
Ignora-se o que vai acontecer aos gastos com o sistema educativo, dos maiores do planeta em percentagem do produto e também dos que apresentam piores resultados. Se vão existir ainda mais professores e menos alunos, se a educação vai continuar a funcionar pessimamente, em roda livre, sob um absurdo centralismo. Desconhece-se como se vai poupar na saúde, apenas se sabe que o respectivo ministério está em boas mãos.
Para além do hipotético, e errado, aumento da idade da reforma, o que vai ocorrer na segurança social é outra incógnita. Mesmo que o sistema fosse bom, a pressão demográfica, representada pelo envelhecimento da população, obrigaria a reformá-lo. E sucede que o sistema não é bom, baralha todas as eventualidades (reforma, baixa e desemprego, para só falar nas principais) e está completamente desajustado da realidade. A sua sobrevivência financeira exigirá sempre o aumento das transferências orçamentais, ou seja, mais despesa.
Para qualquer governo estes são os três problemas a encarar. Em face deste «triângulo fatal», com vértices na saúde, educação e segurança social, prolongar a escolaridade, pôr as criancinhas a falar inglês mais cedo, tentar melhorar a base tecnológica da sociedade e das empresas à luz do fiasco da «Agenda de Lisboa» são empreendimentos meritórios mas de segunda ordem.
A questão do défice não se resume à ablação da caricatura exótica e indolente do funcionário que se serve do nosso dinheiro servindo-nos mal. Só se resolve estancando o imenso desperdício de recursos pelos sistemas de saúde e de educação (que consomem bem mais de metade da despesa) e reformando a segurança social.
Até agora o novo primeiro-ministro, exceptuando o percalço (ou terá sido um calculado teste ao sentimento geral sobre o assunto?) do aumento dos impostos, procurou e teve uma vida tranquila. Desta vez, o país, ainda deprimido, suspendeu-se por inteiro no tempo e oxalá não acabe numa overdose de crença e esperança. O ruído reduz-se praticamente aos ecos do anúncio de uma vocação temerária de combate aos «lobbies» instalados. Como exemplo deu-se, solenemente, o das farmácias: causa impressão no público, produz, como se diz, «efeitos mediáticos».
A despesa pública não diminui mas o consumidor, esse, pode poupar milhões de euros com a liberalização de certos mercados. Quer-se mais concorrência e preços mais baixos, pelo menos no que respeita à expansão dos grupos distribuidores, à colocação de estações de serviço junto de grandes superfícies comerciais e à liberalização da comercialização de medicamentos que dispensam prescrição médica.
A bandeira é o interesse do consumidor, quer dizer, de todos nós: pobres e ricos, cultos e analfabetos, patrões e empregados, homens, mulheres, jovens e crianças. Sabe-se o que o dr. Carvalho da Silva e o eng. Van Zeller representam, não se percebe bem do que vivem e quem, na verdade, defendem as organizações de consumidores que vão por aí divulgando exercícios de publicidade comparada, proibida aos profissionais do sector.
É, no mínimo, discutível que, num contexto de forte exposição da economia à concorrência internacional, se deva derrogar, por princípio e convicção, a regulamentação de alguns mercados. No caso das farmácias, a «imperfeição do mercado» não se traduziu em concentração empresarial. Pelo contrário, promoveu e desenvolveu um comércio independente e assegurou uma boa qualidade no serviço prestado ao cliente. Para já não falar do jeito que deu à gestão da arruinada tesouraria pública.
Os efeitos destes ímpetos liberalizadores resumem-se, não raras vezes, à mera transferência de quotas de mercado.

luis.faria@luisfaria.com

Comentários

Mensagens populares