O Abismo

 A social-democracia tem, no fundo, por base, o compromisso entre os acréscimos de produtividade e os acréscimos salariais -  é sintomático, que qualquer candidato a político encha a boca com a social-democracia ignorando aspectos elementares da doutrina. O princípio implica que há repartição entre capital e trabalho dos ganhos adquiridos com melhor organização, melhores processos e mais tecnologia. A concertação social tem um papel fundamental na sua concretização. Com efeitos muito positivos na Alemanha e, em geral, nos países do Norte da Europa, com um elevado nível civilizacional e uma cultura que gosta da racionalidade. Noutros países, como Portugal, a concertação social, em que o Governo tem uma presença decisiva, não produz os mesmo frutos. As confederações patronais regateiam o salário mínimo e pouco mais. Nunca existiu qualquer acordo sobre o nível salarial. Quanto muito discute-se o que os salários perderam, ou não, para a inflação. Os parceiros portugueses interiorizaram que não se discute a questão salarial sem discutir a questão fiscal, um tema em que as empresas ficarão sempre em desvantagem face a governo e sindicatos.

Portugal é um caso curioso de abismo económico e social, com o salário médio a crescer muito menos que o salário mínimo - o único que é imposto administrativamente, dando de barato a fixação do nível salarial da função pública. O peso dos encargos fiscais e com a segurança social nos impostos é brutal. As limitações à liquidez das empresas responsáveis por maior parte do emprego são drásticas. A capacidade de investir é muito reduzida. A burocracia é pesada. Inverter a descida da curva de rendimentos da população é uma missão quase impossível. O salário médio português continuará a degradar-se e o possível impasse político, com a dificuldade de formar governo após as eleições marcadas para final de Janeiro, vai colocar sobre observação atenta a dívida que se avoluma. Portugal é um "case study" muito divertido, mas dramático para os indígenas.

É tema de comédia. O Observador noticia que Trevor Nuah, um comediante famoso nos Estados Unidos, sucessor de Jon Stewart no Daily Show, satirizou a nova punição legal de empresários que telefonem aos empregados fora das horas de serviço. Stewart lembra que a façanha equivaleria, nos Estados Unidos, aos trabalhadores da Amazon puderem escolher entre frascos de vidro ou de plástico para urinar. Pois é. E se o seu chefe lhe telefonar à hora de jantar? Chame a polícia. É cómico. E é também o espírito do Titanic a navegar contra o iceberg.

Comentários

Mensagens populares