Portugal 2.0


Os indicadores sociais e económicos da situação de Portugal são péssimos. Crescimento medíocre, baixos rendimentos, desigualdade cada vez mais cavada, serviços públicos degradados, a despesa pública a pôr a dívida do Estado num patamar cada vez mais elevado, os impostos a sufocarem a sociedade (só um dos celebrados unicórnios - startups que valem mais de mil milhões de dólares - tem sede em Portugal), portugueses a emigrarem mais, as empresas, descapitalizadas, a lutarem por liquidez. O país caminha, em nível da riqueza produzida, do crescimento e do bem-estar para o último lugar da União Europeia. A contenção pontual do défice ou o anúncio de um investimento estrangeiro, por maior que seja (referimo-nos à produção de polímeros em Sines) não iludem que Portugal tem muita dificuldade em captar investimento directo estrangeiro e, sobretudo, não consegue que as suas empresas de média ou pequena dimensão, que são o tecido empresarial que mais emprega, respirem e prosperem. O talento, ora não é aproveitado ora é mal aproveitado. Há uma má distribuição do rendimento? Há. Mas não se resolve o problema aumentando rendimentos, designadamente de funcionários públicos, através do recurso a mais dívida. Depois de experiência Sócrates, que também, diga-se em abono da verdade e apesar do desvaire do próprio, foi apanhado no turbilhão da crise da dívida, os socialistas mostram querer manter os compromissos sobre o exterior a um nível aceitável. Mostram nisto o decoro que é exigido pela União Europeia e pelos credores internacionais. Também sabem que os recursos a fundo perdido europeus que se orgulham de ter obtido (mais de 17 mil milhões no plano de recuperação e resiliência) não admitem que se mexa mais na legislação laboral. Mesmo a que existe é muito penalizadora do mercado de trabalho e da criação de emprego, originando a generalização da chamada "precariedade".

Portugal foi o país do mundo que melhor cumpriu o seu plano de vacinação contra a COVID-19, um empreendimento liderado por um militar e com grande envolvimento de especialistas das Forças Armadas. O que lhe deveria dar um folgo acrescido no momento em que as coisas se aproximam mais do normal. O período foi contudo palco para uma crise política entre o partido governamental e os dois partidos à sua esquerda, que vêm sustentando a maioria relativa dos socialistas. As eleições estão marcadas para 30 de Janeiro, mas ainda está por saber quem vai liderar o principal partido da oposição. Um entretenimento que ainda torna mais importante para a comunicação social e, em particular, as televisões, explorar as audiências com o 'suspense' das eleições precipitadas para o final do primeiro mês do próximo ano, em que não se sabe de todo, como estarão os problemas resultantes da cadeia de produção e a inflação e dando como certo que a presidente do Banco Central Europeu, a senhora Lagarde, cumpre a promessa de não subir os juros que paga pela dívida que compra no próximo ano.

A situação portuguesa é já de si muito frágil e a subida dos preços (da energia e produtos básicos, dos fretes marítimos, falta da componentes, como os 'chips', ruptura em cadeias de produção internacionalizadas) implicará, mais tarde ou mais cedo, a subida dos juros. A dívida tornar-se-á mais cara, reduzindo ainda mais as opções orçamentais em saúde, educação e encargos sociais. Os portugueses já  experimentam, no seu dia-a-dia, degradação dos serviços públicos. O Estado terá muita dificuldade em sustentar a despesa actual e ainda mais em modernizar-se. É de suspeitar que não está preparado para o desafio da digitalização, única forma de racionalizar os custos e melhorar o serviço ao cidadão.

É curioso que alguns dos melhores analistas "de esquerda" em Portugal deitam hoje as mãos à cabeça com a situação em que o país se encontra, mas a narrativa dominante mantém-se fortemente ligada à cultura dominante e que toma, na sua perspectiva da sociedade portuguesa actual, as empresas como o inimigo a abater e pura e simplesmente omite as reformas necessárias para tirar o país do  estado de pobreza que aprofunda.

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